quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cidadania e Universalidade - Por Roberto da Mata

A idéia de cidadania, criada na Europa ocidental a partir do século XVIII, abriu o caminho para a possibilidade de liquidar os privilégios, leis que atribuíam direitos especiais à nobreza e clero. O conceito de cidadania foi um poderoso instrumento para estabelecer a igualdade universal como um modo de contrabalançar e até mesmo acabar com a teia de privilégios que se cristalizam em diferenciações e hierarquias locais. Se a economia de mercado ocasionou uma grande transformação ao libertar os servos da terra e as propriedades dos senhores feudais, a idéia de cidadania complementou essa evolução, estabelecendo o indivíduo como elemento central e determinante do sistema central (...)

A cidadania foi uma construção histórica não sendo, portanto algo natural. Nem todas as sociedades desenvolvem a cidadania. As que os fazem são aquelas em que há um individualismo, onde o indivíduo, igual ao cidadão, é mais valorizado que outras categorias sociais (como a família ou a comunidade). Isso significa que são os indivíduos que permitem a formação da autoridade pública pela representação consentida e livre de seus interesses. A sociedade passa a ser vista como um clube ou associação de cidadãos com múltiplos interesses. E todos iguais perante a lei e a sociedade.

Nas sociedades tradicionais, como é o caso do Brasil, o indivíduo é menos importante que as relações pessoais: a família, as amizades, o cargo que ocupa. Nos EUA ou na Europa, o indivíduo isolado conta com uma unidade positiva do ponto de vista moral e político; mas aqui no Brasil, o indivíduo isolado e sem relações, é algo considerado como altamente negativo, revelando apenas a solidão de alguém que, sem ter vínculos, é um ser humano marginal em relação aos outros membros da comunidade. O que conta no Brasil não é o cidadão ou o indivíduo e sim a pessoa, o conjunto de relações pessoais que alguém possui na comunidade, é o “jeitinho Brasileiro”, (...)

Em outras palavras, enquanto o processo histórico do Brasil foi no sentido de que tudo já estava previsto e dominado pelo centralismo político, tendo o indivíduo que tentar abrir caminhos nessa estrutura, no processo histórico norte americano, ocorreu o inverso, sendo o espírito individualista que criou as leis e o sistema político.

Com efeito, a palavra cidadão é sempre usada com sentido negativo no Brasil, para marcar a posição de alguém em desvantagem ou mesmo em inferioridade. Quando se diz: “O automóvel pertence aquele cidadão”; ou “o cidadão terá que esperar um pouco” sabe-se que o tratamento universalizante é impessoal é usado não para resolver um problema, como nos países onde a cidadania é valorizada, e sim para dificultar a resolução desse problema. É sintomático o uso da expressão bem brasileira: “Você sabe com quem esta falando?”, que aponta para uma desvalorização do indivíduo e do cidadão, onde todos são iguais, com uma valorização da pessoa, das relações (“sou parente de fulano de tal”, “amigo de sicrano”, etc.). De fato, dizer que é cidadão brasileiro numa situação de conflito com a polícia, pode significar a prisão e até mesmo algumas pancadas.

Assim, antes de irem a qualquer pública, a norma e a “sabedoria” indicam que se deve primeiro descobrir as suas relações naquela área. Daí decorrer a dificuldade da crítica sistemática e consciente a qualquer instituição pelos serviços que ela deveria prestar, esbarra-se sempre nos nexos e laços pessoais. Assim, se a companhia telefônica foi péssima para você, ela foi excelente para mim porque “tenho conhecidos e parentes lá dentro”; ou, como se diz atualmente, “eu tenho prestígio na companhia”. Isso torna a critica social aberta não só algo complicado, mas também suspeito. Porque quem critica é um “criador de caso”, ou um “invejoso”. Vale dizer: é porque a pessoa não tem amigos e foi aquela agência pelo pior caminho do Brasil, o da universalidade, o da cidadania.

(adap de: Da MATA, Roberto. A casa e a rua. SP, Brasiliense, 1985. P. 55-73)

domingo, 11 de maio de 2008

O Desafio Populacional - por P. Kennedy

O crescimento demográfico mundial é pesquisado por centenas de estudiosos em todo o mundo. O aumento da população humana em todo o globo causa inquietações e cria perspectivas. Leia atentamente o texto a seguir que aborda quais seriam alguns destes problemas.

O problema do crescimento populacional hoje não consiste só no fato de que a cada ano existe um acréscimo aproximado de 80 milhões de indivíduos no planeta que consomem recursos. O fato básico é que povos diferentes produzem padrões diferentes – alguns crescendo depressa, outros estagnados ou crescendo muito pouco e outros ainda em declínio absoluto. Entre os Anos 1993 à 2025, a previsão é que 95% de todo o crescimento mundial da população ocorrerá nos países periféricos, sendo que a taxa média de crescimento demográfico mundial de 1,7% nos Anos 1990 esconde desigualdades incríveis: Na África esse crescimento é de 3% ao ano e na Europa somente 0,4%.

Tendo em vista os desequilíbrios de tendências entre as sociedades ricas e pobres, parece improvável que não ocorram ondas de imigrações internacionais na aurora d século XXI. A Austrália, por exemplo, deve aumentar sua população hoje (1992) de 17,5 milhões para somente 22,7 milhões no ano de 2025, ao passo que a vizinha Indonésia, com 190 milhões hoje (1992), deve pular para 265 milhões em 2025; Os Estados europeus meridionais – Espanha, Portugal, Grécia, França e Itália – cujas populações combinadas devem aumentar menos de 5 milhões até o ano de 2025, estão próximos dos países norte-africanos – Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito – cujas populações devem ser acrescidas de mais de 105 milhões nesse mesmo período; e os EUA, com uma previsão de crescimento populacional de 25% de 1990 a 2025, tem como vizinho ao sul México e Guatemala, que devem crescer nesse período 90% e 225%, respectivamente.

Embora seja claro que os países centrais façam hoje grandes esforços para restringir a imigração, os migrantes desesperados provavelmente não se deixarão desanimar. Nem a lei de imigração e naturalização dos EUA de 1986, e nem as mais freqüentes patrulhas ao longo da fronteira com o México acabaram com o fluxo de imigrantes para o norte, Para os EUA, que voltou a passar de um milhão a cada ano. O momento, nada menos que 15 milhões de homens, mulheres e crianças estão vivendo em campos de refugiados, na Europa Oriental e no sudoeste, sul e sudeste da Ásia, esperando um lugar para onde ir. Embora eles possam encontrar obstáculos, muitos conseguem ultrapassar as fronteiras. São com freqüência ajudados e abrigados por parentes que já fizeram a travessia. E cada vez mais são estimulados pelos meios de comunicação, o que significa que agora as pessoas, mesmo sendo muito pobres, sabe como se vive em outras partes do mundo, e tentam ir para áreas mais prósperas, seja por terra, pelo mar ou pelo ar.

Portanto, apesar de muitos esforços, o controle da imigração nos países centrais provavelmente não terá êxito, diante das acentuadas discrepâncias nos equilíbrios demográficos mundiais. Talvez, a mais convincente de todas as estatísticas seja a que mostra que, enquanto as nações industrializadas ricas representavam um quinto da população da Terra em 1950, essa parcela caiu para um sexto em 1985 e há previsões que vai se encolher ainda mais, para apenas um décimo no ano de 2025.

Neste período, apenas duas sociedades desenvolvidas – EUA e Japão – estarão entre os países mais populosos, e as demais serão consideradas “países pequenos”. Esse fato coloca dois cenários possíveis, e ambos preocupam os países ricos. O primeiro seria a hipótese de os países pobres cresceram economicamente mais que os ricos (hipótese muito difícil e aplicável somente a pouquíssimas nações do mundo), neste caso, haveria uma redefinição do poder global, ou seja, influência política, cultural, econômica e até cultural de umas nações sobre as outras, resultando na diminuição do poderio dos países desenvolvidos. E o segundo cenário seria de os países pobres continuarem presos a armadilha da pobreza, com as desigualdades econômicas continuando a se ampliar, nesse caso, os países desenvolvidos ficariam sitiados por dezenas de milhões de migrantes e refugiados, pobres em sua maioria, ansiosos por viver entre as populações prósperas e cada vez mais envelhecidas dos países do norte.

KENNEDY, Paul; In: Preparando para o século XXI. Rio de Janeiro. Ed. Campos. 1993. P.33-41

Os Problemas Sócio-Ambientais Urbanos

Os problemas sócio-ambientais urbanos são, na maioria, interdependentes e, de forma geral, surgem quase sempre em decorrência dos fatores econômicos que refletem diretamente no poder aquisitivo da população.

Durante décadas, a poluição industrial foi a maior responsável pela má qualidade do ar nas grandes cidades. Hoje, os piores vilões são as linhas de transportes rodoviários, principalmente os automóveis. Cerca de 73% de toda poluição atmosférica urbana são causadas por eles; 10% vem das indústrias e 17% de fontes poluidoras diversas.

As Cidades mais Poluídas do Mundo e que sofrem muito com isso são: Atenas (na Grécia), Buenos Aires (na Argentina), Cidade do México (no México), Calcutá (na Índia), Londres (na Inglaterra), Moscou (na Rússia), Los Angeles e Nova Iorque (nos EUA), Rio de Janeiro e São Paulo (Brasil), Seul (na Coréia do Sul), Tóquio (no Japão) e Xangai (na China).

Os problemas ambientais no espaço urbano ocorrem pela falta de planejamento público e pelos contrastes sociais gerados pela má distribuição de renda, especialmente nos países subdesenvolvidos. Esses dois fatores associados à urbanização acelerada e à especulação imobiliária geram cidades com graves problemas sociais e ambientais. Os países desenvolvidos (ricos ou centrais) não estão excluídos desses problemas, mas, tem intensidade muito menor, quando são comparados aos países pobres (subdesenvolvidos ou periféricos).

Entre os principais dramas vividos pela populações que habitam as grandes cidades e que tem raízes na degradação e alteração do meio ambiente é válido citar:

O Lixo - O Espaço está Acabando

Nova Iorque, Toronto, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador vivem a mesma situação: praticamente não tem mais onde depositar o lixo que seus cidadãos produzem. O aumento de renda ocasionado pelo plano real criou um defeito direto na quantidade de detritos acumulados pelos brasileiros.

As pessoas compraram mais e substituíram artigos a granel por itens embalados: cresceu 25% a produção per capita. O problema é que os paulistas geram tanto lixo quanto os nova-iorquinos, porém os gastos públicos aqui são muito menores. Para armazenar sua lixarada, Nova Iorque fechou um com trato com algumas cidades vizinhas. Paga 15 bilhões de reais por ano para que outros municípios a ajudem a se livrar do problema.

No Brasil, não é exagero dizer que as pessoas estão patinando em lixo. Quase 30% dos detritos produzidos nas residências não são coletados – parte se acumula nas ruas e nos terrenos vazios; outra parte é levada pelas águas e acaba em rios e represas (...). A Europa enfrentou o problema a alguns anos. Os cidadãos foram chamados a produzir menos sujeira e tiveram de pagar mais impostos para que ela fosse recolhida. Por aqui ainda se empurra o lixo com a barriga. A título de exemplo, no Brasil, 30% do lixo dos domicílios não é recolhido pela prefeitura e permanece jogado na rua. A quantidade não coletada em um ano seria suficiente para fazer uma pilha com a dimensão aproximada do pão de açúcar, no Rio de Janeiro.

A ocupação do Espaço Urbano – Impactos na natureza:

Ocorreu de forma desorganizada e rápida nos países subdesenvolvidos. Devido à falta de planejamento urbano, ao desemprego e baixo poder aquisitivo dos habitantes que constituem principalmente a população das grandes cidades, algumas áreas irregulares e impróprias como morros, encostas, várzeas (o mesmo que fundos de vale), mangues, margens de rios e mananciais são ocupados, obviamente, de forma desorganizada e sem nenhuma infra-estrutura, poluindo os mananciais (o mesmo que as fontes de água) e dando origem as favelas e cortiços.

Essa população, além de ocupar as piores áreas e se ressentir da falta de serviços básicos como esgoto, água tratada, coleta de lixo, etc. Acaba sendo vítima, não raro, das enchentes e dos deslizamentos das encostas.

A especulação imobiliária que transforma o lote urbano em uma mercadoria muito cara e inacessível para muitas pessoas, empurra a população mais pobre cada vez mais para as áreas desvalorizadas da periferia e para os conjuntos habitacionais construídos pelo Estado. A população que não tem nenhuma perspectiva econômica de possuir (comprar) uma moradia digna acaba morando na rua ou encontrando solução ocupando terrenos públicos e áreas debaixo de pontes e viadutos onde constrói barracos formando mais favelas.

A forma de ocupação do solo urbano imprime na paisagem, principalmente das cidades dos países subdesenvolvidos e também de algumas dos países centrais, contrastes entre o moderno e o antigo, entre áreas ricas, planejadas com edifícios, condomínios fechados e shoppings e áreas pobres, de ocupação irregular e desordenada. Esse contraste evidencia, claramente, a segregação (separação) no espaço geográfico urbano e muitas vezes, até étnica.

As desigualdades sociais, muito acentuadas nos países subdesenvolvidos, estão nitidamente registradas na paisagem urbana. Na foto, vista da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A Falta de saneamento básico é outra carência que causa grande impacto na natureza e também é prejudicial a população que moram nos grandes centros urbanos (e no espaço rural também, é lógico!). É um serviço essencial, pois dele depende a higiene e saúde da população. Refere-se ao fornecimento de água tratada (potável) à população e ao tratamento de esgoto e do lixo. A falta desses serviços pode acarretar elevadas taxas de mortalidade infantil, inúmeras doenças, contaminação dos rios e do lençol freático. Os desperdícios de materiais, os produtos descartáveis, o crescimento econômico e o incentivo ao consumo, que chega a ser exagerado, são as principais causas da enorme quantidade de lixo produzido atualmente. Cada cidadão norte-americano produz, em média, 725 quilos de lixo atualmente. O destino do lixo produzido nas cidades é uma das maiores preocupações de seus governantes. A coleta seletiva e a reciclagem constituem uma saída, mas ainda são insignificantes quando comparadas ao lixo produzido, chegando a atingir 50% do total, entre os países que mais reciclam, como, por exemplo, o Japão. O texto complementar a seguir da idéia da gravidade do problema do lixo.

As capitais estão doentes

Nos países centrais, as grandes cidades perderam indústrias, e com elas, muitos moradores foram embora. Em compensação ganharam parques, mais áreas verdes e se tornaram cidades agradáveis para os habitantes que ficaram e cartões de visita para quem esta de fora. Paris, Berlim, Londres e Nova Iorque já foram semelhantes às cidades brasileiras: superlotadas, sujas e ruins para se viver. A diferença é que seus governantes acordaram e colocaram ordem na casa. Quase todas as capitais brasileiras estão na contramão. Na última década São Paulo perdeu e indústrias e, pela primeira vez na história, começou a se esvaziar. Infelizmente a cidade também perdeu um terço da área verde e muitos parques e praças deram lugar a terminais de ônibus e outros equipamentos públicos.

Segundo os urbanistas, as capitais brasileiras estão entre as mais caóticas do mundo. ”São mares de casa” (...) O transito não anda, as paredes e os monumentos públicos são emporcalhados por pichações, falta áreas públicas de lazer e as pessoas vivem amontoadas. É um desafio que parece grande demais para qualquer administrador. Entretanto, os especialistas apontam algumas saídas. Segundo eles, é necessário atacar em duas frentes. Primeiro, os prefeitos precisam encarar a administração com rigor cientifico. Nas capitais de países ricos, cada nova linha de ônibus é detalhadamente examinada. Sabe-se que a instalação de um terminal de transporte num bairro afastado pode atrair moradores rapidamente para regiões que não estão preparadas para recebê-los.

O segundo aspecto, na opinião dos especialistas, é que é indispensável atacar problemas que parecem menores. No Brasil, as maiorias dos prefeitos e das câmaras municipais ignoram ou aparentemente não se importam como uma de suas principais atribuições, que é dedicar-se a regular ocupação do espaço urbano e cuidar das cidades. Aqui, os administradores preferem abordar grandes temas, como saúde, emprego, criminalidade e educação, contudo não percebem a atuação de atuar em outras frentes, mais simples. Boa parte do programa bem sucedido de combate a criminalidade em Nova Iorque estava baseada na construção de quadras de esporte para ocupar os jovens e na limpeza e iluminação de becos, a fim de criar um ambiente menos favorável para os marginais.

Por outro lado as favelas e a periferia de São Paulo, Recife, Vitória e Rio de Janeiro se parecem com trincheiras. Em muitas é difícil até caminhar. A recuperação paisagística de Barcelona colocou a cidade na rota internacional do Turismo e gerou milhões de empregos. (...)

sábado, 10 de maio de 2008

Os Deficientes Cívicos - por Milton Santos

Mundo do pragmatismo triunfante pode destruir o equilíbrio educacional entre a formação para uma vida plena e a formação para o trabalho

Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.

Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

O interesse social se inspira no papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a dinâmica social não será excludente.

Em todos os casos a sociedade será sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.

As modalidades sucessivas da democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e abrangente do mundo.

Esse esforço, para o qual contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).

Daí, os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às tentações da barbárie.

A globalização, como agora se manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas avassalador.

Em tais circunstâncias, a idéia de emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura social e o esquecimento da solidariedade.

O mundo do pragmatismo triunfante é o mesmo mundo do "salve-se quem puder", do "vale-tudo", justificados pela busca apressada de resultados cada vez mais auto-centrados, por meio de caminhos sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.

É nesse campo de forças e a partir desse caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.

Esse equilíbrio, agora rompido, constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

Daí, a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos.

É a própria realidade da globalização -tal como praticada atualmente- que está no centro desse debate, porque com ela se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma conseqüência, justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

O Chão Contra o Cifrão - Milton Santos

Noção de território nacional desponta hoje como único limite à ação cega do mercado (28/2/1999)

O debate que atualmente comove o país é muito mais que uma queda-de-braço entre governos estaduais e governo federal.

Também não pode se limitar a uma discussão técnica para saber quem deve arcar com o ônus das atuais dificuldades financeiras da maioria dos 27 Estados e dos 5.507 municípios. O que está em jogo, na Federação, é o próprio sistema de relações em que se deveria fundar uma coexistência harmoniosa das atividades, da população e da administração.

A discussão sobre se há ou não crise institucional não se pode contentar com o argumento simplório de que as instituições, isto é, o Legislativo, os tribunais e os governos, estão funcionando. O problema é a qualidade desse funcionamento. Se Estados e municípios tornam-se incapazes de bem exercer o seu papel social e se a União, engessada por compromissos externos, apenas reconhece esses compromissos, o resultado substantivo é um empobrecimento institucional, que pode conduzir à ingovernabilidade e à deterioração dos laços sociais.

Tudo isso tem que ver com a maneira como o país decidiu participar do processo de globalização. Erigido em dado supremo das vidas econômica, social, cultural e política do nosso tempo, o dinheiro funciona como motor e como ator, impondo sua lei e invadindo tudo. Ele se comporta como se fosse dotado de uma racionalidade pura, exercendo-se, de modo inflexível, sobre as outras racionalidades.

A questão está nas outras formas de vida: há, de um lado, a chamada economia real, com todas as produções, todos os consumos, todo o movimento das pessoas e das mercadorias, e, de outro lado, a prestação de serviços socialmente devidos às populações e o próprio exercício da cidadania. Estes últimos são dependentes do fiel cumprimento de suas obrigações, pelas diversas instâncias político-territoriais, a União, os Estados e os municípios.

O problema é esse. Enquanto o dinheiro, na sua forma pura, busca se impor como um dado absoluto, o território é sempre impuro -porque misto-, o resultado de todas as relações entre a existência dos homens e as suas bases físicas e sociais. Levando-se em conta o processo histórico, o território não pode ser considerado uma tabula rasa, uma tela neutra, um espelho, porque é indissociavelmente integrado a todas as pessoas, empresas, instituições que o habitam, e assim dinamizado é, por sua vez, tornado atuante.

As soluções às possíveis derrapagens do funcionamento do financeiro são buscadas no interior do próprio sistema, para substituir uma lógica conjuntural por outra lógica conjuntural, considerada mais perfeita do que a precedente e legitimada por um discurso repetitivo e ruidoso. No mundo atual, o despotismo do dinheiro está ligado a uma lógica auto-referida e auto-explicativa, uma espécie de cachorro dando voltas e mordendo o rabo, razão pela qual busca remédio aos seus próprios tropeços mediante novas construções matemáticas. Sem dúvida, a ortodoxia do sistema financeiro casa-se bem com os setores da economia igualmente tributários de lógicas quantitativas, que potencializam a sua inflexibilidade. Mas a própria economia abriga setores que estranham esses rigores e envolvem a parcela maior da vida social e a prática existencial da maioria das pessoas. Por isso, quando tais lógicas são impostas a todas as situações, agudizam heterogeneidades e assimetrias e provocam fraturas e fragmentações.

Quando o subsistema financeiro se apresenta como se fosse o sistema econômico e social todo inteiro, revela a sua cegueira quanto ao resto da sociedade e desestrutura, ao mesmo tempo, os demais subsistemas. É assim que, ruptura após ruptura, brutalidade após brutalidade, a uma crise sobrevém outra, sempre mais aguda.

O dinheiro em estado puro dá as costas à realidade do ambiente em que se instala. Ele somente se preocupa com "outros dinheiros", cada pedaço das finanças buscando se harmonizar com outro pedaço, câmbio, juros, taxa de inflação, a caterva dos déficits e outros símbolos contábeis-, mas não com os demais setores da vida social. Mas estes têm como base a existência real das pessoas sobre territórios reais e não apenas uma representação estatística e simbólica da vida, como nos comunicados do Ministério da Fazenda e do Banco Central.

É por tudo isso que, hoje, seja qual for a escala, o território constitui o melhor revelador de situações, não apenas conjunturais, mas estruturais e de crise, mostrando, como no caso brasileiro, melhor que outra instância social, a dinâmica e a profundidade da tempestade dentro da qual navegamos.

O território é onde vivem, trabalham, sofrem e sonham todos os brasileiros. Ele é, também, o repositório final de todas as ações e de todas as relações, o lugar geográfico comum dos poucos que sempre lucram e dos muitos perdedores renitentes, para quem o dinheiro globalizado, aqui denominado "real", já não é um sonho, mas um pesadelo.

O território acaba sendo um limite à ação cega das finanças, inclusive porque as suas crises e tremores facilitam uma tomada de consciência dos problemas nacionais, regionais e locais, sobretudo quando o discurso do dinheiro, brutal e reiterado, deixa de ser eficaz e, oferecendo-se como caricatura, torna-se cínico. Fica evidente que a relação belicosa entre o dinheiro e o território revoluciona relações estabelecidas, altera equilíbrios recentes ou pacientemente adquiridos, sepulta valores, amplia o desemprego e afeta o orçamento das famílias e dos municípios e Estados, desorganizando, profundamente, o cotidiano das pessoas e das instituições locais.

A briga entre o chão e o cifrão, da qual está resultando uma sociedade fragmentada e uma Federação ingovernável, não pode ser resolvida como se o dinheiro em estado puro fosse o único pressuposto da vida nacional. Urge encontrar um caminho que nos leve a uma outra Federação, um recomeço a ser buscado com altivez cívica, humildade intelectual e sabedoria política e cujo ponto de partida seja o bem-estar da população e a sobrevivência da Nação.

A Normalidade da Crise - por Milton Santos

A tirania do dinheiro e da informação está na base do atual desarranjo do capitalismo global. (26/9/1999)

MILTON SANTOS

A história do capitalismo pode ser dividida em períodos, pedaços de tempo marcados por uma certa coerência entre as suas variáveis significativas, que evoluem diferentemente, mas dentro de um sistema. Um período sucede a outro, mas não podemos esquecer que os períodos são, também, antecedidos e sucedidos por crises, isto é, momentos em que a ordem estabelecida entre as variáveis, mediante uma organização, é comprometida. Torna-se impossível harmonizá-las quando uma dessas variáveis ganha expressão maior e introduz um princípio de desordem.

Essa foi a evolução comum a toda a história do capitalismo, até recentemente. O período atual escapa a essa característica porque ele é, ao mesmo tempo, um período e uma crise, isto é, a presente fração do tempo histórico constitui uma verdadeira superposição entre período e crise, revelando características de ambas essas situações.

Como período e como crise, a época atual mostra-se, aliás, como coisa nova. Como período, as suas variáveis características instalam-se em toda a parte e tudo influenciam, direta ou indiretamente. Daí a denominação de globalização. Como crise, as mesmas variáveis construtoras do sistema estão continuamente chocando-se e exigindo novas definições e novos arranjos. Trata-se, porém, de uma crise persistente dentro de um período com características duradouras, mesmo se novos contornos aparecem.

Este período e esta crise são diferentes daqueles do passado, porque os dados motores e os respectivos suportes, que constituem fatores de mudança, não se instalam gradativamente como antes, nem tampouco são o privilégio de alguns continentes e países, como outrora. Tais fatores dão-se concomitantemente e se realizam com muita força em toda parte.

Defrontamo-nos, agora, com uma subdivisão extrema do tempo empírico, cuja documentação tornou-se possível por meio das técnicas contemporâneas. O computador é o instrumento de medida e, ao mesmo tempo, o controlador do uso do tempo. Essa multiplicação do tempo é, na verdade, potencial, porque, de fato, cada ator - pessoa, empresa, instituição, lugar- utiliza diferentemente tais possibilidades e realiza diferentemente a velocidade do mundo. Por outro lado, e graças, sobretudo aos progressos das técnicas da informática, os fatores hegemônicos de mudança contagiam os demais, ainda que a presteza e o alcance desse contágio sejam diferentes segundo as empresas, os grupos sociais, as pessoas, os lugares. Por meio do dinheiro, o contágio das lógicas redutoras, típicas do processo de globalização, leva a toda parte um nexo contábil que avassala tudo. Os fatores de mudança acima enumerados são, pela mão dos atores hegemônicos, incontroláveis, cegos, egoisticamente contraditórios.

O processo da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas. Na verdade, trata-se de uma crise global, cuja evidência tanto se faz por meio de fenômenos globais como de manifestações particulares, neste ou naquele país, neste ou naquele momento, mas para produzir o novo estágio de crise. Nada é duradouro.

Então, neste período histórico, a crise é estrutural. Por isso, quando se buscam soluções, o resultado é a geração de mais crise. O que é considerado como solução parte do exclusivo interesse dos atores hegemônicos, tendendo a participar de sua própria natureza e de suas próprias características.

Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças. Daí o papel avassalador do sistema financeiro e a permissividade do comportamento dos atores hegemônicos, que agem sem contrapartida, levando ao aprofundamento da situação, isto é, da crise.

A associação entre a tirania do dinheiro e a tirania da informação conduz, desse modo, à aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo "pensamento único", enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se adaptam passiva ou ativamente, tornando-se hegemonizados. Em outras palavras, os processos não hegemônicos tendem ou a desaparecer fisicamente, ou a permanecer, mas de forma subordinada, exceto em algumas áreas da vida social e em certas frações do território onde podem manter-se relativamente autônomos, isto é, capazes de uma reprodução própria. Mas tal situação é sempre precária, seja porque os resultados localmente obtidos são menores, seja porque os respectivos agentes são permanentemente ameaçados pela concorrência das atividades mais poderosas.

No período histórico atual, o estrutural (dito dinâmico) é, também, crítico. Isso se deve, entre outras razões, ao fato de que a era presente se caracteriza pelo uso extremado de técnicas e de normas. O uso extremado das técnicas e a proeminência do pensamento técnico conduzem à necessidade obsessiva de normas. Essa pletora normativa é indispensável à eficácia da ação.

Como, porém, as atividades hegemônicas tendem a uma centralização, consecutiva à concentração da economia, aumenta a flexibilidade dos comportamentos, acarretando um mal-estar no corpo social.

A isso se acrescente o fato de que, graças ao casamento entre as técnicas normativas e a normalização técnica e política da ação correspondente, a própria política acaba por instalar-se em todos os interstícios do corpo social, seja como necessidade para o exercício das ações dominantes, seja como reação a essas mesmas ações. Mas não é propriamente de política que se trata, mas de simples acúmulo de normatizações particularistas, conduzidas por atores privados que ignoram o interesse social ou que o tratam de modo residual. É outra a razão por que a situação normal é de crise, ainda que os famosos equilíbrios macroeconômicos se instalem.

O mesmo sistema ideológico que justifica o processo de globalização, ajudando a considerá-lo como o único caminho histórico, acaba, também, por impor uma certa visão da crise e a aceitação dos remédios sugeridos.

Em virtude disso, todos os países, lugares e pessoas passam a se comportar, isto é, a organizar sua ação, como se a tal "crise" fosse a mesma para todos e como se a receita para afastá-la devesse ser geralmente a mesma. Mas a única crise que se deseja afastar é a crise financeira, não qualquer outra. Aí está, na verdade, uma causa para maior apronfundamento da crise real econômica, social, política e moral que caracteriza o nosso tempo.

Poluição e Escassez de Água - Por Igor Moreira

POLUIÇÃO E ESCASSEZ DE ÁGUA

O Brasil possui a maior reserva mundial de recursos hídricos. Abriga em seu território uma das maiores redes hidrográficas do planeta - metade de toda a água disponível da América do Sul -, além de extensas reservas de água subterrâneas. Apesar de todo esse potencial, o país não está livre do problema da escassez de água.

Uso predatório dos recursos hídricos, poluição, assoreamento dos rios e desperdício são os principais responsáveis pela escassez de água. Segundo o IBGE, as empresas brasileiras de abastecimento de água apresentam índices de perda do produto de até 50%. Nos países desenvolvidos, esses índices não atingem 20%. (...)

Os habitantes das grandes cidades, sobretudo os das regiões metropolitanas, por enquanto são os afetados com a escassez de água. Os mananciais estão sendo prejudicados principalmente por resíduos domésticos e industriais. Até as indústrias, grandes consumidoras, têm se ressentido da falta de água. (...)

Apesar de as cargas de resíduos domésticos serem percentualmente as maiores responsáveis pela poluição dos recursos hídricos urbanos, já que sobre as indústrias incide uma fiscalização mais eficiente para que realizem tratamentos, os dejetos industriais são diversificados e causam grande prejuízo à saúde. (...)


São Paulo 1900, LIV. Kosmos ed., p. 71.


J.Miranda/Editora Abril

No aspecto ambiental, a preservação dos rios não atrai tanto interesse quanto as florestas, a não ser quando causa sérios danos às populações urbanas, como é o caso do rio Tietê em São Paulo. Depois de provocar muitas enchentes e já sem praticamente nenhum resquício de vida, o Tietê ganhou um projeto de despoluição, financiado por capital estrangeiro. A demorada e dispendiosa despoluição do rio poderá resgatar a original utilidade de suas águas.

(Extraído de: Igor Moreira. O Espaço Geográfico - Geografia Geral e do Brasil. São Paulo, Ática, 2002.)

O Lixo Doméstico e Industrial - por J.W.Vesentini





Gladstone Campos/Ed. Abril - Usina de Compostagem de Lixo no bairro da Lapa, SP.

Um grave problema dos ambientes urbanos é o acúmulo de resíduos sólidos, tanto de origem doméstica quanto industrial. (...)

Das mais de 100 mil toneladas de resíduos coletadas diariamente no Brasil, aproximadamente 50% são depositadas a céu aberto e em áreas alagadas, o que freqüentemente dá origem a problemas sanitários e de contaminação hídrica. A outra metade do lixo é de algum modo tratada: 22% são colocados em aterros posteriormente cobertos por terra (aterro controlado); 23% são encaminhados a aterros sanitários, processo que dispõe o lixo na terra sem causar perigo à saúde ou afetar a segurança sanitária; 3% vão para a compostagem (transformação do lixo em adubo para uso agrícola); 2% são reciclados e muito pouco é incinerado. Resultado: 72% do lixo coletado no país (disposto a céu aberto e em aterro controlado) compromete a saúde da população. (...)

Os resíduos domésticos líquidos, também em grande volume, não recebem nenhuma forma de tratamento. Correm a céu aberto nas periferias, vão para as fossas sépticas, ou, muito mais comumente, para os rios ou mares.

Quanto ao lixo industrial, ele não é de responsabilidade do poder público municipal, mas das próprias empresas. Além do volume, outro problema é a periculosidade de muitos resíduos. Não podendo ser colocados em aterros da Prefeitura, devem ser tratados para não causarem danos ao meio ambiente. Os resíduos industriais líquidos, por sua vez, vão parar principalmente nos cursos de água. Muitos dos líquidos industriais não são reaproveitados por falta de tecnologia ou pelo alto custo econômico.

A Particularidade dos ecossistemas urbanos, o lixo, ao não ser tratado e depositado irregularmente, facilita a proliferação de ratos e moscas. Nos solos degradados e nos canteiros de obra somente detrminadas espécies de plantas conseguem se manter. Por fim, os rios das áreas urbano-industriais geralmente possuem baixo teor de oxigênio em solução, dificultando, ou, muitas vezes, impossibilitando a vida aquática.

Indicadores do Subdesenvolvimento no Brasil

As melhores terras agrícolas do Brasil normalmente não produzem gêneros essenciais à alimentação (mandioca, feijão, milho, arroz, etc.). São cultivadas com produtos destinados à exportação (café, soja, etc.) ou às grandes indústrias, geralmente filiais de empresas estrangeiras.

Cláudio Rossi/Editora Abril

Esta foto (cortador de cana-de-açúcar, menor de idade, na Usina de Quissamã, Rio de Janeiro) mostra a colheita da cana-de-açúcar, que será transformada em álcool para abastecer automóveis fabricados por essas indústrias.

Vários elementos diferenciam as nações desenvolvidas das subdesenvolvidas. Os principais são: a indústria, a agricultura, o ensino e a tecnologia, o comércio externo e as desigualdades sociais. (...)

O nível de desenvolvimento do Brasil na área industrial é tão elevado que chega a superar alguns países desenvolvidos, como Áustria, Austrália, Suécia, Noruega, Nova Zelândia, Dinamarca e outros. Porém, nesses países, o padrão de vida da população é bem mais elevado que o da população brasileira, mesmo quanto ao consumo de produtos industrializados. (...)

No Brasil, além de existir um setor industrial forte e diversificado, a agricultura, que no passado foi baseada em poucos produtos (café e cana-de-açúcar, principalmente), tornou-se bastante variada com o cultivo da soja, do trigo, do fumo, do algodão, da laranja, da uva, etc.

No setor terciário brasileiro encontramos atividades modernas (bancos, empresas de seguros e transportes, cadeias de supermercados, etc.) e atividades tradicionais (pequeno comércio, como por exemplo mercearias e bazares).

Por que o Brasil, tão industrializado e com uma economia tão diversificada, não é considerado um país desenvolvido, mas subdesenvolvido?

São várias as causas, a começar por sua dependência econômica das grandes potências capitalistas (Estados Unidos, Japão, Alemanha, etc.). Essa dependência - que é comum a todas as nações subdesenvolvidas - significa que a economia brasileira está subordinada ao exterior, é dominada por outras nações.

Muitas empresas instaladas no Brasil, principalmente as mais modernas, são filiais de empresas estrangeiras. Por isso, grande parte dos lucros é remetida para os países de origem.

Outro fato determina a subordinação ao exterior que empobrece o Brasil: uma parcela importante da produção econômica do país - não apenas industrial, mas principalmente agrícola e mineral - destina-se não ao mercado interno, mas ao mercado externo, ou seja, às economias capitalistas mais poderosas. (...)

Outro grande problema que coloca o Brasil no grupo dos países subdesenvolvidos é a imensa desigualdade social, uma das maiores do mundo. Os 10% mais ricos da população brasileira detêm 47,9% da renda nacional, enquanto os 60% mais pobres ficam com apenas 18,1%. (...)

Também a situação do país em educação e pesquisa tecnológica, duas atividades essenciais para o desenvolvimento, é precária. É pior do que a de muitos países subdesenvolvidos menos industrializados que o Brasil, como a Argentina, o Chile, o Uruguai, a Coréia do Sul e outros.

(Extraído de: J. William Vesentini, Vânia Vlach. Geografia Crítica - O espaço social e o espaço brasileiro - volume 2. São Paulo, Ática, 2002.)

O Crescimento Populacional ou Demográfico

Em 1994, o planeta contava com 5,6 bilhões de habitantes. Do início dos anos 70 até hoje, o crescimento da população mundial caiu de 2,1% para 1,6% ao ano, o número de mulheres que utilizam algum método anticoncepcional aumentou de 10% para 50% e o número médio de filhos por mulher em países subdesenvolvidos caiu de 6 para 4. Ainda assim, esse ritmo continua alto, e, caso se mantenha, a população do planeta duplicará até 2050.

O crescimento demográfico está ligado a dois fatores: o crescimento natural ou vegetativo, que corresponde à diferença entre nascimentos e óbitos verificada numa população, e a taxa de migração, que é a diferença entre a entrada e a saída de pessoas de um território. Considerando essas duas taxas, o crescimento populacional pode ser positivo, nulo ou negativo.

O crescimento da população foi, ao longo do tempo, explicado a partir de teorias. Vejamos as principais.


TEORIA DE MALTHUS


Em 1798, Malthus publicou uma teoria demográfica que apresenta basicamente dois postulados:

A população, se não ocorrerem guerras, epidemias, desastres naturais, etc, tenderia a duplicar a cada 25 anos. Ela cresceria, portanto, em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32...) e constituiria um fator variável, ou seja, que cresceria sem parar.

O crescimento da produção de alimentos ocorreria apenas em progressão aritmética (2, 4, 6, 8, 10...) e possuiria um limite de produção, por depender de um fator fixo: o próprio limite territorial dos continentes.

Ao considerar esses dois postulados, Malthus concluiu que o ritmo de crescimento populacional seria mais acelerado que o ritmo do crescimento da produção alimentar (PG X PA). Previa ainda que um dia estariam esgotadas as possibilidades de aumento da área cultivada, pois todos os continentes estariam plenamente ocupados pela agropecuária e a população do planeta continuaria crescendo. A conseqüência seria a fome, a falta de alimentos para abastecer as necessidades de consumo do planeta. Para evitar esse flagelo, Malthus, um pastor da igreja anglicana contrário aos métodos anticoncepcionais, propunha a sujeição moral, ou seja, que as pessoas só tivessem filhos se possuíssem terras cultiváveis para poder alimentá-los.

Hoje, sabe-se que suas previsões não se concretizaram: a população do planeta não duplicou a cada 25 anos e a produção de alimentos cresceu no mesmo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Mesmo que se considere uma área fixa de cultivo, a produção (quantidade produzida) aumenta, já que a produtividade (quantidade produzida por área- toneladas de arroz por hectare, por exemplo) também vem aumentando sem parar.

Essa teoria, quando foi elaborada, parecia muito consistente. Os erros de previsão estão ligados principalmente às limitações da época para a coleta de dados, já que Malthus tirou suas conclusões a partir da observação do comportamento demográfico em uma região limitada, com população predominantemente rural, e as considerou válidas para todo o planeta no transcorrer da história. Não previu os efeitos decorrentes da urbanização na evolução demográfica e do progresso tecnológico aplicado à agricultura.

Desde que Malthus apresentou sua teoria, são comuns os discursos que relacionam de forma simplista a ocorrência da fome no planeta ao crescimento populacional. A fome que castiga mais da metade da população mundial é resultado da má distribuição, e não da carência de alimentos. A atual produção agropecuária mundial é suficiente para alimentar cerca de 9 bilhões de pessoas, enquanto a população ainda não atingiu a cifra de 6 bilhões. A fome existe porque as pessoas não possuem o dinheiro necessário para suprir suas necessidades básicas, fato facilmente observável no Brasil: apesar do enorme volume de alimentos exportados, as prateleiras dos supermercados estão sempre lotadas e a panela de muitos operários e bóia-frias, sempre vazia.

TEORIA NEOMALTHUSIANA

Com o final da Segunda Guerra Mundial, foi realizada uma conferência de paz em 1945, em São Francisco, que deu origem à Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, foram discutidas estratégias de desenvolvimento, visando evitar a eclosão de um novo conflito militar em escala mundial. Havia apenas um ponto de consenso entre os participantes: a paz depende da harmonia entre os povos, e, portanto, da diminuição das desigualdades econômicas no planeta. Agora, como explicar, e, a partir daí, enfrentar a questão da miséria nos países subdesenvolvidos?

Esses países buscaram a raiz de seus problemas na colonização do tipo exploração implantada em seus territórios e nas condições de desigualdade das relações comerciais que caracterizaram o colonialismo e o imperialismo. Passaram a propor amplas reformas nas relações econômicas, em escala planetária, que, é óbvio, diminuiriam as vantagens comerciais, e, portanto, o fluxo de capitais e a evasão de divisas dos países subdesenvolvidos em direção ao caixa dos países desenvolvidos.

Nesse contexto histórico, foi criada a teoria demográfica neomalthusiana, uma tentativa de explicar a ocorrência de fome nos países subdesenvolvidos, para se esquivarem das questões econômicas.

Segundo essa teoria, uma população jovem numerosa, resultantes das elevadas taxas de natalidade verificadas em quase todos os países subdesenvolvidos, necessita de grandes investimentos sociais em educação e saúde. Com isso, diminuem os investimentos produtivos nos setores agrícola e industrial, o que impede o pleno desenvolvimento das atividades econômicas e, portanto, da melhoria das condições de vida da população. Ainda segundo os neomalthusianos, quanto maior o número de habitantes de um país, menor a renda per capita e a disponibilidade de capital a ser distribuído pelos agentes econômicos. Verifica-se que essa teoria, embora com postulados totalmente diferentes daqueles utilizados por Malthus, chega à mesma conclusão: o crescimento populacional é o responsável pela ocorrência da miséria. Ela passa, então, a propor programas de controle da natalidade nos países subdesenvolvidos e a disseminação da utilização de métodos anticoncepcionais. É uma tentativa de enfrentar problemas socioeconômicos exclusivamente a partir de posições contrárias à natalidade, de acobertar os efeitos devastadores dos baixos salários e das péssimas condições de vida que vigoram nos países subdesenvolvidos a partir de uma argumentação demográfica. Dizer que os países subdesenvolvidos desviaram dinheiro do setor produtivo para os investimentos sociais é, no mínimo, hipocrisia.

TEORIA REFORMISTA

Em resposta aos neomalthusianos, foi elaborada a teoria reformista, que inverte a conclusão das duas teorias demográficas anteriores.

Uma população jovem numerosa, em virtude de elevadas taxas de natalidade, não é causa, mas conseqüência do subdesenvolvimento. Em países desenvolvidos, onde o padrão de vida da população é elevado, o controle de natalidade ocorreu paralelamente à melhoria da qualidade de vida da população e espontaneamente, de uma geração para outra. Uma população jovem numerosa só se tornou empecilho ao desenvolvimento das atividades econômicas nos países subdesenvolvidos porque não foram realizados investimentos sociais, principalmente em educação e saúde. Essa situação gerou um enorme contingente de mão-de-obra desqualificada ingressando anualmente no mercado de trabalho. Essa realidade tende a rebaixar o nível médio de produtividade por trabalhador e a continuar a empobrecer enormes parcelas da população desses países. É necessário o enfrentamento, em primeiro lugar, das questões sociais e econômicas para que a dinâmica demográfica entre em equilíbrio.

Para os defensores dessa corrente, a tendência de controle espontâneo da natalidade é facilmente verificável ao se comparar a taxa de natalidade entre as famílias brasileiras de classe baixa e de classe média. À medida que as famílias obtêm condições dignas de vida, tendem a diminuir o número de filhos para não comprometer o acesso a de seus dependentes aos sistemas de educação e saúde.

Quando o cotidiano familiar transcorre em condições miseráveis e as pessoas não têm consciência das determinações econômicas e sociais, vivem de subempregos, em sub-moradias e subalimentadas, como esperar que elas estejam preocupadas em gerar menos filhos?

Essa teoria, enfim, é mais realista, por analisar os problemas econômicos, sociais e demográficos de forma objetiva, partindo de situações reais do dia-a-dia das pessoas.

O CRESCIMENTO VEGETATIVO OU NATURAL

Essas teorias, como vimos, buscam estabelecer relações entre crescimento populacional e condições de vida, mas não são suficientes para esclarecer a questão.

Atualmente, o que se verifica é uma queda global dos índices de natalidade e mortalidade, apesar de estar aumentando o número de pessoas que vivem na miséria e passam fome. Essa queda está relacionada principalmente ao êxodo rural, à saída de pessoas do campo em direção às cidades e suas conseqüências no comportamento demográfico:

  • Maior custo para criar os filhos
  • Acesso a métodos anticoncepcionais
  • Trabalho feminino extra-domiciliar

  • Aborto
  • Acesso a tratamento médico, saneamento básico e programas de vacinação

Fonte: Geografia geral e do Brasil: espaço geográfico e globalização, Eustáquio de Sene, João Carlos Moreira, editora Scipione, 1998, páginas 336-341

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Desafios da Representação - Wanderlei da Costa

Há uma discrepância do número de eleitores entre as diferentes unidades territoriais (Estados), sendo a representação política distorcida no congresso.

Como desenhar um sistema político que atenda as demandas de representações dos indivíduos (vontade do eleitor), da sociedade civil (partidos) e das unidades territoriais (Distritos eleitorais e unidades federativas)?

No Brasil discutem-se formas para se resolver essa discrepância, sendo o debate pautado em modelos que pudessem ser adotados, entre os quais:

Universalismo Total

Lista avulsa partidária de candidatos de todos os lugares na esfera federal.


Modelo Vigente

É a unidade federada com sua extrema disparidade de população e eleitores, adotando-se um número mínimo e máximo (8 e 70 respectivamente) de candidatos fixados nos dois extremos para deputado federal e 3 senadores por Estado. No modelo atual, um voto de um eleitor de Roraima vale muito mais que um voto de um eleitor de São Paulo.


Modelo Distrital


O país é dividido em distritos eleitorais com tamanhos semelhantes (quanto ao número de eleitores) e com um número fixo de eleitores para cada um deles.

Dentre as alternativas temos:

a) Negar a AC, RR, TO, AM, RO o direito de eleger senadores e deputados federais

b) Diminuir drasticamente o número mínimo de representantes nesses Estados e extrapolar o número máximo para Estados mais populosos.

c) Aumentar o número máximo de 70 até o equivalente de proporcionalidade.

d) Voltar a considerá-los territórios o que reduz o peso de sua representação política.

e) Implantar voto distrital no país.


O voto distrital é que garantiria um melhor ajuste entre as demandas diversas de representação: individual; partidária e ao mesmo tempo político-territorial compondo ao final um conjunto articulado e razoavelmente equilibrado para o país.

SENADO: sua função básica é federativa: Ações amplas e permanentes com vistas ao equilíbrio entre as unidades federadas.

CÂMARA: Ação de âmbito e interesses nacionais, ancorados na diversidade de interesses políticos da sociedade civil, corporações, etc.


O sistema político representativo democrático busca garantir a impossibilidade de tirania da maioria e o poder de veto da minoria, tanto aos interesses de classe quanto aos de interesse territorial.

DESIGUALDADES REGIONAIS: REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL NO BRASIL


A cidadania em países com grandes diferenças regionais de desenvolvimento e renda são uma questão constitucional, legal e territorial.

O sistema político representativo democrático busca garantir a impossibilidade de tirania da maioria e o poder de veto da minoria, tanto aos interesses de classe quanto aos de interesse territorial.

Para um país tão desigualmente povoado é complicado. Como obter proporcionalidade ideal sem causar


3 problemas:

1. Possibilidade de tirania da maioria, estando concentrada no centro-sul a maior parte das atividades econômicas e de renda.

2. Impedir fortalecimento de oligarquias e o seu poder de veto, já que estas dominam o cenário político e econômico das regiões mais pobres.

3. Impedir a hegemonia de interesses das regiões mais ricas.

Problema central da representatividade democrática: Como consolidar a democracia e cidadania num país tão grande, tão complexo e com os piores índices do mundo em disparidades regionais de renda, de educação e de qualidade com relações sociais muito diferentes e com uma história política de Elitismo e exclusão.