Os brotos nascidos de um olhar da noite anterior já tinham se secado, mas os olhos inchados e os lábios vermelhos revelavam o choro esquecido de ontem. Procurava-te meu bem entre esquinas e estradas, nas portas eu batia, seu nome freqüentemente pronunciado pela minha boca, queria notícias suas, saber mais de você meu amor. À passos curtos perambulava pela noite deserta, os paralelepípedos sujos eram responsáveis pelo barulho dos sapatos quando tocados no chão, o trotar dos cavalos puxando as carroças de luxo em meio a noite calorosa que ali se encontrava. Em um restaurante beira de esquina, escondido entre os bares mal limpos, saia uma canção vagarosa, enchia-me os ouvidos, era nossa música meu amor, as notas trazidas para mim, soprada pelo vento me lembrando cada vez mais dos teus beijos embalados pela melodia suave, tua voz doce surgindo ao meu ouvindo dizendo coisas boas e tolas, era meu, era teu, era nosso. O céu estava tão iluminado, a lua resplandecia teu amor adormecido, as estrelas com um brilho reverente traziam-me recordações agradáveis que deviam ser abandonadas. Nossos nomes ainda gravados na árvore velha do parque permaneciam intactos e deixava a mostra nosso antigo segredo. Caminhava em passos morosos pelas ruas, sob o sereno, avistei a janela límpida, revelava teu corpo oculto pelas cortinas claras, meu coração batendo descompassadamente, não me contive, fugi em direção a tua porta, corri sem pensar, pisei em poças ocultadas pela noite vazia escura, os sapatos encharcados de água, não me importava com isso, apenas você era meu foco. Cheguei ofegante a tua porta, com pouco fôlego que me restava, suspirei alto e soltei as mãos pesadas sobre a porta fazendo um leve "toc-toc", aguardei quase perdendo todo meu ar, delirando em meus devaneios mais insanos. Lá estava meu amado com um pijama simples e o cabelo desgrenhado, quebrei o silêncio impertinente.
- Oi, meu amor
- O quê? - disse sonolento
- Desculpe-me, velhos hábitos custam a sumir.
- Minha pequena, pensei que não virias mais, sinto tua falta, mas as coisas não podem voltar a ser como era antes.
- Perdoe meu coração, foi uma tolice vir aqui.
- Pequena, não sejas assim tão frágil, conheço teu coração.
- Não, meu bem, tenho que ir, adeus!
Aquelas palavras passavam repetitivamente em sua cabeça "as coisas não podem voltar a ser como era antes", por mais que tentasse, aquilo a feria muito, por algumas vezes até se odiava, por ser desse jeito, orgulhosa, teimosa, não suportava ter que bancar a forte, ela sabia muito bem que era tão frágil e forte ao mesmo tempo, só não gostava de assumir.Tomou para si a dor que se espalhava pelas suas entranhas sem cessar, correu pela noite, com a face banhada por lágrimas que corriam cada vez mais, o vento fazia teu rosto esfriar junto as gotas esquecidas no rosto, foi assim, indo, caminhando.
Estava em casa, jogada pela cama, suspirava leve, juntando os retalhos do coração, só ouvia-se o barulho de sua respiração afobada contra o travesseiro, perdida cada vez mais em seus pensamentos. É ele, sempre foi, as lembranças do amor apagado ainda a seguia constantemente. Voltava sua mente para à noite anterior, ainda remoendo as informações necessárias, tentando entender os motivos mal esclarecidos, não compreendia, por mais que tentasse, a dor concentrada no seu estômago não deixava, haviam frases elaboradas em sua barriga, coisas a se dizer, elas ali presas voavam por todo estômago.
Se parasse para admirar pela janela, notaria que era um dia ensolarado e quente, um dia daqueles que poderia se passar o dia todo na praia, mas não sabia, tampouco se importava e se soubesse não ligaria. Estava apenas com seus pensamentos concentrados em outra coisa, por mais que tentasse pensar em algo que não fosse ele, não dava, era impossível, ela sabia muito bem o quanto lhe fazia mal pensar nele, trazer lembranças para o presente, isso sempre foi muito perigoso.
Levantou-se, um barulho vindo de fora de casa lhe assustara, era campainha, teu coração por mais uma vez disparara, batendo cada vez mais rápido, pensou no seu amado. Não hesitou, saiu em disparado pela porta, corria depressa, disparada ao portão. Ele esteve ali, sabia disso, o perfume dele o denunciara, estava misturado no ar, encontrou um pedacinho de papel debaixo de uma pedra e ao lado um bombom, não sabia o que estava escrito, mas só de sentir teu cheiro, isso a acalmava, tranqüilizava aquele coração aflito e machucado, estava sentindo mais uma vez o doce do amor. Os versos marcados no papel, as palavras bem colocadas, apertou o bilhete contra o peito e sorriu para o céu, chorou, mas de felicidade, pode sentir que o amor adormecido voltara a acordar, o afeto era o mesmo, nada mudara, nada separava. Voltou, sorrindo, cantando e dançando.
O telefone alarmou com a mesma musiqueta irritante, atendeu e disse:
- Alô?!
- Pequena, apenas ouça, não diga nada. Perdoe-me por ser um idiota, perdoe-me, saibas que eu sempre te amei. Eu tentei viver sem você, continuei levar a vida, mas percebi que isso era totalmente inválido, não dava, meus pensamentos voltavam sempre pra você. És minha, então, por favor, abra o portão, eu te espero.
Desligou o telefone, com o coração em chamas, o corpo suando frio, correu até o portão, e o viu ali, bem na sua frente. As palavras da sua boca haviam sumido, mas teus olhos revelavam a felicidade oculta, chegaram cada vez mais perto, segurando às mãos, tocou em seus lábios suavemente, o beijo esperado havia se concretizado, se amavam tanto que perderão a noção do tempo. O choro foi esquecido, o amor adormecido restaurado e renovado, assim levou adiante, sem economia de sentimentos, juntos, isso é que importava, e nada mais.