Até que ponto a expansão de culturas destinadas à fabricação de biocombustíveis, uma energia limpa, coloca em risco a produção de alimentos? A busca por fontes energéticas de origem vegetal pode interferir negativamente em questões de segurança alimentar? Essas são algumas das principais questões que vêm colocando o Brasil no centro dos debates globais, em função da sua posição de País megaprodutor de grãos e carnes, além de candidato em potencial à liderança mundial no mercado de combustíveis de fontes renováveis, como biodiesel e etanol. Embora as opiniões se dividam em relação ao tema, o consenso existente até agora é de que não haverá solução para esse impasse sem sustentabilidade no campo, o que inclui equilíbrio entre o aumento da produtividade e o respeito à capacidade de suporte dos ecossistemas naturais, às leis trabalhistas e aos direitos humanos.
O presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Renato Maluf, afirma que a atual crise na oferta e demanda de alimentos, fator que tem impulsionado o aumento de preços, não é passageira e nem pode ser interpretada como resultante unicamente da expansão da produção de biocombustíveis. Para ele, a instabilidade é fruto de um modelo equivocado no sistema agroalimentar global.
Para o Consea, contribuem para a alta de preços fatores como o contínuo aumento da demanda por alimentos, mudanças climáticas, elevação da cotação do petróleo, além da mercantilização dos alimentos que tornou produtos como a soja, o milho e o trigo ativos negociados nas bolsas de mercadorias e atrativos para o capital financeiro.
Os subsídios agrícolas mantidos pelos Estados Unidos e União Européia também são apontados por Maluf como fatores desencadeadores da crise alimentar, já que impedem os produtores de países pobres de competirem em pé de igualdade com os europeus e norte-americanos.
"Os Estados Unidos e a Europa, durante décadas, exportaram alimentos a preços subsidiados, desestimulando e comprometendo a produção em um grande número de países. Hoje, esses países viraram importadores, quando poderiam muito bem ter produção suficiente para exportar. Estão pagando o preço desse modelo global", opina.
No caso específico do Brasil, Maluf enfatiza que ao elaborar o Programa Nacional de Biodiesel, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) teve o cuidado de estabelecer regras capazes de evitar possível competição entre a produção de energia limpa e a de alimentos. Entre elas, cita o incentivo à agricultura familiar e a exigência de que produtores de oleaginosas para a indústria de biodiesel mantenham áreas de cultivo de alimentos.
Em relação ao uso da cana-de-açúcar para a produção de etanol, o presidente do Cosea ressalta que para evitar também um processo de expansão insustentável, a entidade, que cumpre papel consultivo da Presidência da República, defende o estabelecimento de zoneamento para determinar as áreas passíveis de aumento de plantio; a inclusão da variante social, para evitar o uso de trabalho escravo, entre outros tipos de ilegalidade trabalhista; além de análise de impactos ambientais.
"É preciso proibir a expansão das lavouras de cana para etanol onde existem áreas de cultivo de alimentos para evitar conflitos. Além disso, não se pode admitir que o crescimento dessa cultura se dê em bases insustentáveis e degradantes. Embora seja louvável que os países busquem fontes energéticas renováveis, precisamos ficar atentos às lições históricas. Ao longo de quatro séculos, a indústria da cana foi grande concentradora de renda e riqueza no Brasil", alerta Maluf.
Falando de Roma, onde participou da reunião da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), no seu programa de rádio semanal "Café com o Presidente" o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também criticou os subsídios agrícolas mantidos pelos países mais ricos. "Penso que chegou à hora de tomarmos atitudes. Uma das atitudes seria concluir o acordo da OMC (Organização Mundial do Comércio) na Rodada de Doha. Que os países ricos abram mão dos subsídios que dão aos seus agricultores, que os Estados Unidos diminuam os subsídios", defendeu Lula.
O diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Ricardo Gusmão Dornelles, afirmou durante o Primeiro Simpósio Internacional de Combustíveis, Biocombustíveis e Emissões, organizado pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), que a produção brasileira de grãos (arroz, feijão, milho, soja, trigo, amendoim, caroço de algodão, aveia, centeio, cevada, girassol, mamona e sorgo) somada à de cana para açúcar cresceu 217% entre 1976 e 2007. A área plantada correspondente, no entanto, aumentou 28% (11 milhões de hectares), graças ao ganho de produtividade de 150%.
"Nesse mesmo período, a área de cana destinada à produção de álcool cresceu em apenas 3 milhões de hectares. A produtividade da cana para o álcool elevou-se em 116%", enfatizou.
De acordo com Dornelles, o ganho de produtividade permite aumentar a produção agrícola, mantendo-se ou até mesmo reduzindo-se a área plantada. "Entre 1976 e 2007, a expansão da cana para produção de álcool (3,2 milhões de hectares) foi muito menor do que a expansão das culturas alimentares (11 milhões de hectares)", enfatiza.
Outro destaque foi para os 210 milhões de hectares de pastagens. "Um aumento de produtividade de 10% na criação de gado liberará 21 milhões de hectares. Não obstante, há 90 milhões de hectares livres para a expansão agrícola no Brasil", explicou Dornelles.
O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, também afirmou, durante recente audiência pública no Senado Federal, que o Brasil tem 90 milhões de hectares para incorporar à agricultura. De acordo com ele, o País pode aumentar a produção de alimentos sem que seja necessário derrubar nenhuma árvore na Amazônia, região brasileira que está no centro das atenções brasileiras e globais, em função de potenciais riscos de aumento do desmatamento para expansão da fronteira agrícola.
Já o secretário-executivo da Comissão Interministerial sobre Mudanças Climáticas no Brasil, José Domingos Gonzáles Miguez, considera a produção de biocombustíveis estratégica para a auto-suficiência da matriz energética do Brasil e para a expansão comercial das nações em desenvolvimento. "Os biocombustíveis aparecem como verdadeiras oportunidades comerciais, dentro de uma nova indústria no mercado mundial", disse no Fórum Global de Energias Renováveis, em Foz do Iguaçu.
Para o representante do Governo no evento, diferentemente do que vem sendo difundido pelos meios de comunicação internacionais, os biocombustíveis são parte da solução para a redução de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), com perspectivas de inclusão social, e não um problema que coloca em risco a segurança alimentar no Brasil e no mundo.
Resumindo: Quais seriam critérios mínimos para a produção de biocombustíveis?
a) Não competirem com a produção de alimentos, ou seja, Não haver expansão gigantesca “como já se desenha” de monoculturas destas matérias-primas básicas para os biocombustíveis
b) Redução de pelo menos 60% das emissões de Gases do Efeito Estufa;
c) Não causarem impactos diretos ou indiretos sobre ecossistemas (contaminação solo e da água; extinção da biodiversidade com a introdução de espécies exóticas e/ou de transgênicos; com a redução máxima possível de Agroquímicos {adubagem, agrotóxicos, etc.}
d) Não aumentarem ou causarem conflitos sociais (segurança alimentar, direitos sobre a terra e direitos das comunidades locais e indígenas)
Fonte: Adaptações de Jornal do Comércio; site G1.