O espaço mundial de hoje é descontínuo, limitado pela economia ou pela política (aliás inseparáveis), móvel e difícil de ser cartografado ou captado por meras descrições. Além disso, ele — o espaço construído, social, fruto da humanização da natureza, locus de lutas e conflitos — não é mais um elemento inerte, a ser tão somente apropriado pelo homem pela expansão econômica ou a ser visitado pelos turistas, e sim algo necessário ao movimento do capital e/ou ao controle social: é o espaço produzido, planejado, transformado em mercadoria e constantemente reconstruído.
E a geografia moderna, tanto a acadêmica (de pesquisa) como a dos professores, não consegue mais explicar satisfatoriamente esse espaço, e isso nem mesmo como inculcação ideológica para os alunos de nível elementar e médio. Daí a "crise" dessa geografia – isto é, a crise da geografia tradicional –, e as alternativas que surgem há alguns anos (ou décadas, conforme o caso) e que a substituem. Não se trata de "modas", como querem alguns que se recusam a ler obras novas e a tentar renovar suas lições, e sim de uma necessidade real, de ou procurar acompanhar as metamorfoses do mundo ou correr o risco de findar. Ou, nas palavras do geógrafo italiano Massimo Quaini:
Estudantes não tiveram, como na Estatal de Milão, a possibilidade de motivar e, sobretudo, de fazer valer sua contestação, demonstraram de modo ainda mais decisivo terem as idéias claras: usufruindo de uma parcial liberdade curricular, desertaram em massa dos cursos de geografia".Quaini, Marxismo e geografia (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979), p.12.
Nas conclusões de um outro autor, temos que:
“Pode-se dizer que a crise da geografia escolar resume-se essencialmente à crise de sua finalidade. Ensinamento de função ideológica, ela vê sua eficácia contestada por discursos mais "modernos" (economia, sociologia, etc). Marginalizada no momento de adaptação da escola às necessidades profissionais, a geografia está minada pela sua aparente incapacidade de dar conta das lutas de que o espaço está pleno.”Jean-Michel Brabant, "Crise de la géographie", em Hérodote, n. 2 (Paris, F. Maspero, 1976), p. 102.
E quais as alternativas, ou novas "geografias", que se constroem e substituem a moderna e que oferecem opções ao professor do ensino básico? Deixando de lado aqueles que fingem ignorar a "crise da geografia" e continuam a praticar o mesmo discurso de Vidal de La Blache ou Aroldo de Azevedo, e que só conseguem provocar aquele tipo de reação descrita por Quaini, podemos perceber que existem três caminhos principais que são trilhados pelos que renovam essa formação discursiva:
a) a especialização num ramo (ex.: climatologia, geomorfologia, etc), que acaba por tornar-se completamente autônomo;
b) a geografia utilitária ou de planejamentos (seja a new geography, aquela voltada para o aménagement du territoire ou qualquer outra forma de geografia tecnocrática); e
c) a geografia crítica ou radical.
O primeiro caminho, como é evidente, não é satisfatório para o professor, mas apenas para o especialista que vai trabalhar nesse ramo que se torna um compartimento sem ligações com a totalidade estudada pela geografia (a sociedade em sua espacialização e a segunda natureza). Além disso, ele acaba conduzindo ao fim da geografia e não à sua reconstrução em outras bases.
O segundo caminho também não foi construído para a escola, e sim para grandes empresas (públicas ou particulares), para os planos de reordenação espacial visando a reprodução do capital. Trata-se aí de uma geografia servil ao poder e que no ensino só vai resultar em coisas como o texto sobre geografia agrária do Projeto Brasileiro para o Ensino da Geografia, onde se pede ao educando para que ele se coloque como o proprietário de uma fazenda e raciocine em termos de custos (mão-de-obra, insumos, etc.) para aferir a produtividade de sua terra. Mas, enfim, para quem concebe a realidade social sob a ótica da harmonia, do princípio lógico da identidade, essa pode ser a geografia adequada para a "comunidade" onde leciona.
E, finalmente, o terceiro caminho parece-nos o mais profícuo, tanto para a crítica à geografia moderna e sua reconstrução como para a renovação do ensino da geografia. Trata-se de uma geografia que concebe o espaço geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais. Ele critica a geografia moderna no sentido dialético do termo crítica: superação com compreensão do papel histórico daquilo que é criticado.