sábado, 28 de junho de 2008

A Farra da Legalização da Grilagem - Por Ariovaldo Umbelino

Por Ariovaldo Umbelino – 07/04/2008

A grilagem das terras públicas na Amazônia continua nos noticiários. Agora, trata-se da Medida Provisória 422, que dispensa de licitação a venda de terras públicas do INCRA até 1.500 hectares. E, por trás dela, está a estratégia de ação do agrobanditismo em sua sanha de se apropriar das terras públicas griladas daquela região.

Em outro artigo neste site, mostrei que a grilagem das terras públicas da Amazônia sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos cinqüenta anos. Mas, como a legislação constitucional impede que isso se faça, o caminho passou a ser tentar conseguir através de subterfúgios jurídicos sua legalização. Como a Constituição de 1988 manda compatibilizar a destinação das terras públicas com o plano nacional de reforma agrária, uma nova estratégia passou a ser montada para continuar favorecendo os grileiros do agronegócio.

Uma banda podre dos funcionários do INCRA, particularmente os que "cuidam" do cadastro, passaram a "oferecer" e "reservar" as terras públicas do INCRA para os grileiros e indicar o caminho "legal" para obtê-las. Portanto, quem está realizando esta "grilagem legalizada" é uma parte dos próprios funcionários corruptos do INCRA e dos órgãos estaduais de terra. A denúncia destes fatos já levou a Polícia Federal a fazer a Operação Faroeste no Pará e o Ministério Público Federal a mover ação para cancelar os "assentamentos da reforma agrária laranja" da regional do INCRA de Santarém-PA. O motivo é sempre o mesmo: a tentativa de "oficializar" a grilagem das terras públicas.

Em 2003, o INCRA possuía na Amazônia Legal mais de 60 milhões hectares, assim distribuídas pelos Estados:

Amazonas, 20,9 milhões de hectares;

Pará, 17,9 milhões;

Roraima, 9,2 milhões;

Acre, 6,2 milhões;

Mato Grosso, 5,7 milhões;

Rondônia, 4,9 milhões;

Maranhão, 1,7 milhões;

Tocantins, 1 milhão de hectares.

Entretanto, os grileiros do agrobanditismo "cercaram e se apropriaram privadamente" de tudo, pois os funcionários corruptos do INCRA "venderam" para eles ilegalmente todo este patrimônio público. Agora estão junto como o governo Lula, propondo "soluções jurídicas" para legalizar o crime cometido.

A história é a seguinte:

No final do ano de 2005, conseguiram através do artigo 118 da Lei nº. 11.196 de 21/11/2005 (a chamada "Medida Provisória do bem") alterar a lei de licitações públicas (Lei nº. 8.666, de 21/06/1993), conseguindo a permissão para regularizar, através da venda, aqueles que tinham grilado as terras públicas do INCRA na Amazônia Legal com área de até 500 hectares. Não custa lembrar que o artigo 191 da Constituição de 1988 autoriza a posse de apenas até 50 hectares, quando a terra é devoluta, porque as terras públicas não são passíveis de usucapião (artigo 200 do Decreto-Lei 9760 05/09/1946, § 3º do artigo 183 da Constituição de 1988).

Em 17/05/2006, o INCRA baixou a Instrução Normativa nº. 32, que fixou os procedimentos legais para que este crime da grilagem das terras públicas até 500 hectares pudesse começar a ser legalizado. Era o início da farra da legalização da grilagem.

Mas a banda podre dos funcionários do INCRA não se deu por satisfeita, e, afrontando a Constituição, que manda destinar as terras públicas para a reforma agrária, baixou a Instrução Normativa nº. 41, em 11 de junho de 2007 (publicada no DOU em 18/06/2007), estabelecendo "critérios e procedimentos administrativos referentes à alienação de terras públicas em áreas acima de 500 hectares limitadas a 15 (quinze) módulos fiscais mediante concorrência pública".

E a sordidez destes dilapidadores do patrimônio público não tem limite. Primeiro, com auxílio do agrobanditismo paraense, conseguiram que o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB) apresentasse em 24/10/2007 um projeto de lei que ampliava para até 15 módulos fiscais (mais ou menos 1.500 hectares) a dispensa de licitação e conseqüente autorização para venda aos grileiros das terras do INCRA.

Agora, a desfaçatez do governo do PT parece que não tem mais limite. Lula e Cassel, descaradamente, em nome da reivindicação da base aliada, transformaram (plagiaram) o projeto de lei do deputado Asdrúbal Bentes na Medida Provisória nº. 422. Assim, esta MP que já está em vigor, altera novamente a Lei nº. 8.666, permitindo a dispensa de licitação para alienar os imóveis públicos da União até 15 módulos fiscais.

Isto quer dizer que, como 39% da área dos municípios da Amazônia Legal têm módulos fiscais de 100 hectares, esta dispensa de licitação atingirá áreas griladas até 1.500 hectares. Estes municípios estão principalmente nos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Mato Grosso e Pará, todos repletos de exemplos da grilagem de terras do INCRA. Noutros 38% da área dos municípios que têm módulos entre 75 e 90 hectares, a dispensa de licitação atingirá áreas griladas entre 1.125 e 1.350 hectares dos estados anteriores e do Tocantins e Maranhão. Ou seja, as terras griladas que serão regularizadas têm área acima de mil hectares e é o próprio INCRA que reconhece o crime lesa pátria: "assim, entre 70 e 80% das posses de até 15 módulos fiscais estará em torno de 1000 ha, ou menos", em "A MP 422 legaliza e protege a floresta" (http://www.incra.gov.br).

A audácia do diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do INCRA, Roberto Kiel, é de uma adesão total ao agrobanditismo: "agora eles poderão comprar do governo federal as terras que já ocupavam há anos e não vão precisar concorrer com outros interessados", em "Assinada MP para regularização fundiária da Amazônia" (http://www.incra.gov.br).

Outra parte desta engenhosa operação para legalização da grilagem de terras do INCRA na Amazônia Legal foi o aproveitamento do aumento do desmatamento naquela região para fazer o recadastramento dos imóveis. Ele vai permitir que os grileiros que ainda não tinham cadastrado as terras públicas que grilaram até dezembro de 2004 pudessem agora fazê-lo e assim se habilitarem para "comprar" as terras griladas sem licitação. Aliás, a notícia no site do INCRA sobre o recadastramento já, de forma absurda, reconhece os grileiros como posseiros: "Os donos ou posseiros de áreas maiores que quatro módulos fiscais [...] terão que levar ao Incra, de 3 de março a 2 de abril, documentos que comprovem a titularidade ou posse pacífica da terra, plantas e memoriais descritivos com a correta localização geográfica dos imóveis rurais" (http://www.incra.gov.br).

Dessa forma, é preciso deixar claro que as verdadeiras posses das famílias camponesas ribeirinhas ou não na Amazônia não ocupam mais de 100 hectares; portanto, estes atos do INCRA são para regularizarem as grilagens das terras públicas do próprio INCRA, que seus funcionários corruptos "venderam" para ao agrobanditismo.

Vale lembrar que apenas duas vezes na história do Brasil a grande posse foi legalizada, na Lei de Terra de 1850 e na ditadura militar entre 1964/1984.

Por isso volto a repetir, a MP 422 é uma afronta aos princípios constitucionais e ao patrimônio público: o governo Lula está fazendo o que nenhum governo, depois dos militares, fez, "vendendo" ao agronegócio/banditismo mais de 60 milhões de hectares de terras públicas do INCRA na Amazônia que deveriam ser reservadas à REFORMA AGRÁRIA, à demarcação de terras indígenas e/ou quilombolas e à criação de unidades de conservação ambiental.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O Valor da Misericórdia - Por Anieh Grancihurt

Seria talvez uma virtude dependendo de como é empregada. Misericórdia notoriamente não vem só de divindades, pois está ecliticamente ligado a outras possíveis virtudes.

A Misericórdia está diretamente associada com o termo cooperar. Antes de ter misericórdia é de suma destreza apresentar respeito ao próximo. Como tudo que se apresenta a misericórdia é possuidora de duas faces: a correta e a errada, como o bem e o mal.

De certo modo é a hipocrisia de ter piedade e diminuir o ser humano a nada. O que deve importar é a essência que permanecerá por todo o sempre!

Se errar, não julgue, pois estará faltando com o respeito por si.

Estender a mão, um exemplo clássico de correta misericórdia. Este sim seria o momento exato. Sem virtudes não há vida, há sobrevida.

Misericórdia resume-se talvez em valorizar o ser humano acima de qualquer coisa. As virtudes nos completam e se podemos ser completos, o porquê de sermos ocas e vazias.

Virtudes não são apenas palavras. Não devem parecer. Pois palavras como estas são apenas palavras quando não acompanhadas de ação.

O verdadeiro sábio preocupa-se primordialmente em enriquecer o espírito e posteriormente a matéria, porém, apenas é suficiente.

Misericórdia deve impregnada à alma, por si ou não. Sonhos existem para realizar um ser..

O mundo clama por pessoas virtuosas, se queres perfeição, aperfeiçoe-se.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Cemitério na Cidade do RJ - A Construção do Território do Sagrado


Sabe-se que no Brasil os sepultamentos durante o período colonial e parte do Império eram realizados ad Sanctus, ou seja, nas igrejas; a idéia da “boa morte” ainda estava vinculada ao momento da morte da pessoa e o seu local de enterramento.

Neste sentido, dentro de uma mentalidade ainda marcada pela época medieval, estar enterrado em uma igreja era estar perto de Deus, o que significava maior possibilidade de uma vida feliz no além. Assim, as igrejas no Brasil recebiam os corpos de seus fiéis desde que tivessem sido, na vida secular, pessoas de certa posição social e que os seus pudessem arcar com as despesas do sepultamento. Desta feita, quanto mais alta a posição social do defunto, maior sua proximidade com o templo, quando não do próprio altar.

Como disse Cruls:

“até então para os mortos de categoria havia sempre uma catacumba no claustro dos conventos ou uma campa no chão dos templos.”

Tudo era organizado para que este momento da morte transcorresse dentro da mais perfeita ordem, a hora da morte era administrada pelo moribundo de forma calma e serena. Os cuidados já haviam sido tomados quanto à distribuição dos bens, pois, através de testamentos, os cuidados eram providenciados a fim de que a vontade do defunto fosse respeitada. O modo do funeral, a mortalha com a qual deveria ser enterrado, o local e a igreja, tudo já havia sido atestado antes e só restava aos seus o cumprimento das ordens.

A vida rude na Colônia, tanto de colonos como de escravos, estava entregue nas mãos do serviço, praticamente voluntário, do hospital da Santa Casa da Misericórdia, que havia sido fundada em 24 Março de 1582, no Rio de Janeiro, pelo padre José de Anchieta.

Ao lado do hospital, em terreno contíguo, foi erguido um cemitério para o sepultamento das pessoas que lá morriam, os injustiçados e escravos; o de Santo Antônio, que estava sob os cuidados dos Franciscanos, onde é hoje o Largo da Carioca, e que também sepultava escravos; “o dos pretos novos, no antigo Largo de Santa Rita, onde até 1825 houve um cruzeiro”; e o dos mulatos, que se situava no Campo do Rocio e depois Largo de São Domingos, já “desaparecido”. A estes dois últimos, Cruls chamou de “mais ou menos clandestinos”, uma vez que os seus corpos eram deixados “à flor da terra”.

O cemitério da Santa Casa chamou a atenção do reverendo Walsh, que visitou o Brasil em 1828, pela forma descuidada com que ali se praticavam os sepultamentos:

“O enterro é muito simples; faz-se uma cova profunda onde os corpos são colocados. Antes de serem enterrados aí, são depositados sobre um estrado numa casinha que fica no meio do cemitério, até que haja um número suficiente de corpos. Então é realizada a cerimônia fúnebre para todos eles, que são colocados nas covas sem caixões. Algumas vezes nus, mas normalmente envoltos em lona. São colocados de lado, geralmente com a cabeça virada para os pés do outro. Nunca estive neste lugar sem que houvesse quatro ou cinco corpos esperando para serem enterrados e ao sair sempre me encontrava com outros chegando.

Até então, nenhum destes cemitérios citados até aqui conhecia práticas de sepultamento organizadas em bases regulares. Em todos eles, o descuido com o sepultamento era uma marca permanente da maneira com a qual eram administrados. Só em 1839, por causada forma precária com que funcionava o da Santa Casa, foi aberto um cemitério na Praia de São Cristóvão, que também ficou a cargo da Santa Casa e era conhecido como Cemitério do Caju (mais tarde renomeado como Cemitério de São Francisco Xavier).

No caso de o morto ser um protestante europeu, o seu destino era o Cemitério dos Ingleses, com sua localização na Gamboa. Tal cemitério havia sido criado em função do “Tratado de Amizade”, datado de 1810, entre Portugal e Inglaterra. J. J. Reis ressalta que “o Cemitério dos Ingleses no Rio de Janeiro estava adaptado à concepção de uma necrópole longe da cidade”. O cemitério dos ingleses não se parecia em nada com o cemitério da Santa Casa. Era limpo, arborizado e à beira da Praia da Gamboa que, naquele tempo, margeava o campo santo.

É por isto que Maria Graham, que visitou o cemitério em 1832, observou admirada o referido campo santo:

Julgo um dos lugares mais deliciosos que jamais contemplei, dominando lindo panorama, em todas as direções. Inclina-se gradualmente para a estrada ao longo da praia, no ponto mais alto de um belo edifício... em frente a este edifício ficam varias pedras e urnas e os vãos monumentos que nós erguemos para relevar a nossa própria tristeza; entre estes e as estradas algumas árvores magníficas.

Com efeito, o contraste entre ambos era notório. Cemitérios católicos eram completamente diferentes dos cemitérios protestantes: a representação do lugar funerário para os protestantes consistia em uma visão mais serena, amenizada pela presença de árvores que, em certo sentido, conferiam ao local uma sensação de paz, a ponto de Graham afirmar que, “(...) se viesse a ser sepultada ali, os que viessem visitá-la não se sentiriam incomodados”.

Entretanto, os cemitérios católicos apresentavam um ambiente tumultuado, no qual corpos insepultos se misturavam à terra deixando uma sensação de desespero e desorganização. Por outro lado, os corpos sepultados pelos católicos ad Sanctus estavam, de certa forma, sempre junto aos vivos, que vez por outra rezavam por eles uma missa em sua memória.

Os protestantes, uma vez que não praticavam sepultamentos em igrejas, tinham o espaço distribuído mais uniformemente, sem “distinções” aparentes entre os defuntos. Já no catolicismo, a variedade de espaços funerários oferecidos pressupunha a própria diferenciação entre mortos. Uns sepultados sob a nave, estes nos adros, aqueles em conventos e uma grande maioria em cemitérios que deixavam os corpos à flor da terra.

Segundo Cláudia Rodrigues, houve um empobrecimento e um esvaziamento dos cortejos fúnebres a partir dos surtos epidêmicos e da conseqüente proibição dos enterros nas igrejas e cemitérios paroquiais (a partir de 1850 na cidade do RJ). Mostra ela ainda, a partir da análise do uso da roupa fúnebre, que ocorreu no mesmo período um declínio vertiginoso dos enterros com mortaIhas de santos. Um sinal, aliás, de que teria havido transformações importantes na devoção. Visto pelo ângulo dos funerais, os santos certamente perderam o prestígio como protetores dos viajantes para o Além.

O cemitério São João Batista – 1860-1870

Esta foto de Leuzinger, premiada na Exposição de Paris, foi tirada de uma chácara onde Darwin teria se hospedado e observado borboletas. Encontramos ai belas esculturas e obras de arte, encomendadas no passado a escultores famosos.

Aí se encontram os restos mortais de pessoas como Santos Dumont, Carmem Miranda, Afonso Penna, Luís Carlos Prestes, Clara Nunes, Ary Barroso, Cazuza, Tom Jobim e outros tantos políticos famosos, além é claro de muitos de nossos antepassados queridos.

O Cemitério São João Batista é de 1852, quando substituiu o de Pedro II, que existia junto ao hospício da praia, freqüentemente invadido pelas águas. A rua que passa à sua frente é o velho Caminho do Berquó (General Polidoro).

Nesta última foto, vemos o cemitério de Campo Grande - situado na avenida Cesário de Melo. Apesar de reformado, ainda apresenta os traços mais marcantes da mercantilização da morte e da apropriação destes espaços sagrados pela Santa Casa da Misericórdia. Apesar de importante, Ainda sim, é um tema pouco estudado pela geografia.